Doenças como alergias, problemas do coração e até traumas emocionais são mais comuns
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Não são apenas a cor dos olhos, a textura do cabelo ou o timbre de voz que os filhos herdam dos pais, mas a herança genética também é responsável pela transmissão de diversas doenças. E a carga genética não é conduzida exclusivamente pelos genes contidos no DNA de seus ascendentes: chamado de epigenética, um segmento da ciência evidencia que hábitos de vida, vícios, tipo de alimentação e até traumas influenciam diretamente na estrutura genética de um individuo, ativando ou desativando determinadas patologias, entre as quais a alergia.
Publicado no Allergy, Asthma and Clinical Immunology Journal, jornal oficial da Sociedade Canadense de Alergia e Imunologia Clínica, um artigo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, demonstra que casos de asma e bronquite têm aumentado muito em função da influência da epigenética (fatores ambientais) na ativação de genes da doença. Segundo o levantamento, apenas 4% dos pacientes que apresentam processos de asma possuem a expressão genética dela em seu DNA, embora já seja conhecida a forte participação hereditária na continuidade da doença.
"Este dado só reforça o que apontam as pesquisas no campo da epigenética.Já mapeamos que há uma grande influência da hereditariedade por meio de fatores não genéticos na transmissão dos processos alérgicos", comenta o alergista Marcello Bossois, membro do Consórcio Internacional de Terapia Gênica e pesquisador assistente do cientista Jacques Tremblay no Departamento de Genética da Université Laval (ULAVAL), no Canadá. Ele lembra, inclusive, que a tendência de encontrarmos cada vez mais alérgicos é real, uma vez que seriam necessárias pelo menos duas gerações para a desativação destes mecanismos epigenéticos influenciadores dos genes. "Se as pessoas mantiverem os maus hábitos a perpetuação dos quadros deverá se manter. Sabemos que a prevalência das alergias está intimamente relacionada à manutenção de experiências com o passar do tempo", destaca.
De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia,se ambos os pais apresentarem comportamento alérgico, a probabilidade de o filho manifestar quadros alérgicos é de 75%. O que o artigo da Stanford defende, porém, é que no vínculo da mãe para o filho a ativação da expressão da alergia é cinco vezes maior do que na relação paterna.
"No caso de gestantes, por exemplo, mesmo que elas não apresentem alergia, identificamos uma íntima relação entre o tabagismo materno e o aumento das alergias respiratórias em seus descendentes - filhos e netos", observa Dr. Bossois. O artigo identificou uma herança intergeracional passada por mulheres que fumavam durante a gravidez, quando percebeu-se o dobro de chances de seus filhos apresentarem asma em comparação a gestantes não fumantes. "Isso ocorre devido a um processo que chamamos tecnicamente de metilação, que é quando um fator ambiental influencia a porção externa do gene", esclarece o médico alergista.
Através dos mecanismos epigenéticos é possível entender, por exemplo, porque muitas exposições no período pré-natal estão intimamente associadas ao desenvolvimento tardio de inúmeras desordens em crianças e adultos - como diferentes tipos de alergias. Os estudos comprovamo porquê dos casos de alergia crescerem ano após ano, demonstrando que o acúmulo de fatores ambientais é crucial na influência do código genético.Com base em estudos do Ministério da Saúde, só no Brasil, aproximadamente 35% das pessoas sofrem de algum tipo de alergia.
Mas a influência da epigenética vai além das alergias. Um grupo de pesquisa da Escola Icahn de Medicina Monte Sinai, de Nova York, estuda o efeito intergeracional de experiências traumáticas em famílias de sobreviventes de tragédias em massa, como o Holocausto. Uma das descobertas da equipe mostra que filhos de judeus que fugiram do genocídio têm níveis alterados de hormônios do estresse em seu organismo. O estudo aponta que sobreviventes de campos de concentração apresentam, em comparação a adultos semitas da mesma idade que não passaram por essa experiência, níveis mais baixos de cortisol - um hormônio que ajuda o corpo a voltar ao normal após um trauma. "A epigenética nos apresenta um campo muito vasto de pesquisas. "Esses estudos não explicam apenas parte do porquê do surgimento de alergias, mas também doenças cardíacas, endócrinas e até fobias sociais", completa Marcello Bossois.
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